terça-feira, 5 de julho de 2011

POESIA QUE VOU DECLAMAR NO COMCURSO DO CTG

Pingos

Guilherme Schultz Filho
gentileza de Ney Gastal
Em cada ronda da vida
eu tive um pingo de lei.
Montado, sou como um rei,
pelo garbo e o entono.
Cavalo pra mim é um trono:
e neste trono me criei.

De piazito já encilhava
um peticinho faceiro,
que era cria de um overo
e de uma egüinha bragada:
era da cor da alvorada
o meu petiço luzeiro!

Rosado como as manhãs,
do pêlo da própria infância,
mascando o freio com ânsia,
parece que até sorria...
Chamava-se "Fantasia"
e era a flor daquela estância.

Já mocito, o meu cavalo
era um ruano, ouro nas crinas,
festejado pelas chinas
que o chamavam - "Sedutor".
Formava um jogo de cor
sob os reflexos da aurora
co'os cabrestilhos da espora
e os flecos do tirador.

Naqueles tempos de quebra,
nos bolichos, ao domingo,
sempre floreando meu pingo
todos me viram pachola
com o laço a bate-cola
e virando balcão de gringo.

O meu cavalo de guerra
chamava-se "Liberdade"!
Chomico! Ouanta saudade
me alvorota o coração!
Era um mouro fanfarrão,
crioulo da própria marca
e eu ia como um monarca
na testa de um esquadrão.

Em uma carga das feias
(como aquela do Seival)
o mesmo que um temporal
rolamos por um lançante
e até o próprio comandante
ficou olhando o meu bagual.

Homem feito e responsável,
o meu flete era um tostado,
tranco macio, bem domado,
(êta pingo macanudo!
desses que "servem pra tudo",
segundo um velho ditado.

Mui amestrado na lida,
um andar de contra-dança;
de freio, era uma balança,
campeiro, solto de patas...
Gaúcho, mas sem bravatas,
e o batizei de "Confiança"

O cavalo que encilho
nesta quadra da existência,
dei-lhe o nome de "Experiëncia".
É um picaço de bom trote
e levando por diante o lote
rumbeio à Eterna Querência.

E, assim, vou descambando,
ao tranco e sem escarcéu,
sempre tapeado o chapéu
por orgulho de gaúcho,
e se Deus me permite o luxo
entro a cavalo no céu!
 

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Poesias para o comcursos do CTG



 Mulher Gaúcha

(Antonio Augusto Fagundes)
Os velhos clarins de guerra
desempoeirando as gargantas
quero-querearam no pago.
E o patrão coronelado,
reuniu em torno parentes,
posteiros, peões e agregados.
Chegara um próprio do povo
trazendo urgente recado
que se ia pelear de novo
e o coronel, satisfeito,
dizia, fazendo graça:
"vamos ver, moçada guapa,
quem honra a estirpe farrapa
e atropela numa carga
por um trago de cachaça...Os velhos clarins de guerra
desempoeirando as gargantas


Um filho saiu tenente,
o mais velho - capitão,
um tio ficou de major.
(o pobre que passa o pior,
a oficial não chega, não:
o capataz foi sargento,
um sota ficou de cabo
e a peonada, e os posteiros,
ficaram soldados rasos
pra pelear de pé no chão...)

Carneou-se um munício farto
- vindo de estâncias vizinhas -
houve rações de farinha,
queijo, salame e bolacha,
se santinguando em cachaça
a sede dos borrachões.

E a não ser saudade e mágoa
nada ficou pra trás
a garganta dos peçuelos
misturava pesadelos
sanguessugando, voraz,
cartuchos e caramelos,
o talabarte e o pala,
bolacha e pente de bala,
fumo e chumbo - guerra e paz...
No humilde rancho de um posto,
um moço encilhou cavalo
beijou a prenda e se foi.
Na madrugada campeira
luzia a estrela boieira
sinuelando o arrebol
e as barras de um dia novo
glorificavam o horizonte
lavando a noite defronte
com tintas de sangue e sol.

E durante largo tempo
ficou a moça na porta
olhando a estrada, a chorar,
sem saber porque o marido
tem que partir e lutar,
não entendia de guerra!
Pobre só votam em quem mandam
e desconhece outra coisa
que não seja trabalhar.

Então a moça franzina
tomou uma decisão!
Esqueceu delicadezas,
ternuras de quase -noiva
e atou os cabelos negros
debaixo de um chapelão
e se atirou no trabalho,
cuidando da casa e campo,
do gado e da plantação.

Emagreceu e tostou-se
e enrijeceu como o aço!
Temperando-se na luta
madurou-se como a fruta
que é torcida no baraço.

Montou e recorreu campo,
botou vaca, tirou leite
e arrastou água da sanga.
Fez do tempo a sua canga
no lento girar do dia
e quando as vezes parava
comovida, acariciava
o ventre, que pouco a pouco
se arredondava e crescia.

Só a noite, quando cansada
fechava o rancho e dormia
seu homem lhe aparecia:
ora voltava da guerra,
ora peleava - e morria!...
Que triste o rancho vazio
nas longas noites de frio
ou nas tardes de garoa!
Que medo de ir a estância!
(e ao mesmo tempo, que ânsia
de saber notícia boa!)
Vizinha perdera o filho.
pra outra, fora o marido.
E um dos que tinham, morrido,
um moço, que era tropeiro,
quando feito prisioneiro
tinha sido degolado
sem nenhuma compaixão.
E até um filho do patrão
se ensartara numa lança
em meio a uma contradança
de berro, tiro e facão.

E o fulano? Que fulano?
Aquele, que era posteiro!
Moço guapo! No entrevero
é como um raio a cavalo.

Trezontonte levou um pealo
mas é sujeito de potra:
já está pronto pra outra,
sempre disposto e faceiro.

E a moça voltava ao rancho,
tão moça ainda, e tão só!
E quando fitava a estrada,
só via o vazio do nada,
o nada o silêncio e o pó.

Não sabe quem vem primeiro,
se vem o pai, ou o filho.
E os seus olhos, novo brilho
roubaram de dois luzeiros.

Cada noite, cada aurora,
vai encontrá-la a pensar:
quando o marido voltar,
de novo estará bonita
- novo vestido de chita
e novo brilho no olhar.
E quando o filho chegar,
quantas cargas de carinho
carretearão os seus dedos!
Quantos e quantos segredos
sussurrarão, bem baixinho!
E para ele, os passarinho
cantarão nos arvoredos...

Qual deles chega primeiro?

E se um deles não chegar...?

Mas a guerra segue além,
o filho ainda não vem
e ela a esperar e a esperar!...

Bendita mulher gaúcha
que sabe amar e querer!
Esposa e mãe, noiva e amante
que espera o guasca distante
e acaba por compreender
que a vida é um poço de mágoa
onde cada pingo d'água
só faz sofrer e sofrer.


Canto aos Avós
(Apparicio Silva Rillo)
Os avós eram de carne e osso.
Tomavam mate, comiam carne com farinha,
campereavam.
Sopravam a chama dos lampiões, dormiam cedo.


Os avós tinham braços e pernas e cabeça
(olhai os seus retratos nas molduras).
Laçavam de todo o laço, amanuseavam potros,
fumavam grossos palheiros de bom fumo
e amavam seus cavalos que rompiam ventos
e bandeavam arroios como um barco ágil.


Usavam lenços sob a barba espessa
e o barbicacho lhes prendia ao queixo
sombreiros negros para a chuva e sóis.
Palas de seda para as soalheiras,
ponchos de lá quando a invernia vinha.


Tinham impérios de flechilha e trevo
e famílias de bois no seu império.
E eram marcas de fogo os seus brasões.


Charlavam de potreadas e mulheres,
de episódios de adaga contra adaga,
do tempo, das doenças, das mercâncias
de gado gordo para os saladeiros.


Tinham homens a seu mando, os avós.
No quartel rude dos galpões campeiros
- enseivados de mate e carne gorda -
os empíricos soldados madrugavam
na luz das labaredas de espinilho
que era sempre o primeiro sol de cada dia.


Honravam os avós a cor dos lenços:
- a seda branca dos republicanos,
o colorado dos federalistas.
E morriam por eles, se preciso,
- coronéis de milícias bombachudas
acordando tambores nos varzedos
no bate casco das cavalarias.


Nas largas camas de cambraias alvas
vestindo o corpo da mulher mocita,
juntavam carnes no silêncio escuro
pautado por suspiros que morriam
no contraponto musical dos grilos...


Os avós eram de carne e osso.
Tinham braços e pernas e cabeça,
artérias, nervos, coração e alma.


Humanos como nós, os velhos tauras,
mas de bronze e de ferro nos parecem
esses campeiros que fizeram história.
Estátuas vivas de perenidade
nos pedestais do tempo e da memória.

Chimarrão
(Glaucus Saraiva)
Amargo doce que eu sorvo
Num beijo em lábios de prata.
Tens o perfume da mata
Molhada pelo sereno.
E a cuia, seio moreno,
Que passa de mão em mão
Traduz, no meu chimarrão,
Em sua simplicidade,
A velha hospitalidade
Da gente do meu rincão.


Trazes à minha lembrança, 
Neste teu sabor selvagem, 
A mística beberagem, 
Do feiticeiro charrua, 
E o perfil da lança nua, 
Encravada na coxilha,
Apontando firme a trilha, 
Por onde rolou a história, 
Empoeirada de glórias, 
De tradição farroupilha.


Em teus últimos arrancos, 
Ao ronco do teu findar, 
Ouço um potro a corcovear, 
Na imensidão deste pampa, 
E em minha mente se estampa, 
Reboando nos confins , 
A voz febril dos clarins, 
Repinicando: "Avançar"!
E então eu fico a pensar, 
Apertando o lábio, assim, 
Que o amargo está no fim, 
E a seiva forte que eu sinto, 
É o sangue de trinta e cinco, 
Que volta verde pra mim.

Amargo
(Jayme Caetano Braun)
Velha infusão gauchesca
De topete levantado
O porongo requeimado
Que te serve de vazilha
Tem o feitio da coxilha
Por onde o guasca domina,
E esse gosto de resina
Que não é amargo nem doce
É o beijo que desgarrou-se
Dos lábios de alguma china!


A velha bomba prateada
Que atrás do cerro desponta
Como uma lança de ponta
Encravada no repecho
Assim jogada ao desleixo
Até parece que espera
O retorno de algum cuera
Esparramado do bando
Que decerto anda peleando
Nalgum rincão de tapera!


Velho mate-chimarrão
As vezes quando te chupo
Eu sinto que me engarupo
Bem sobre a anca da história,
E repassando a memória
Vejo tropilhas de um pêlo
Selvagens em atropelo
Entreverados na orgia
Dos passes de bruxaria
Quando o feiticeiro inculto
Rezava o primeiro culto
Da pampeana liturgia!


Nessa lagoa parada
Cheia de paus e de espuma
Vão cruzando uma, por uma,
Antepassadas visões
Fandangos e marcações
Entreveros e bochinchos
Clarinadas e relinchos
Por descampados e grotas,
E quando tu te alvorotas
No teu ronco anunciador
Escuto ao longe o rumor
De uma cordeona floreando
E o vento norte assobiando
Nos flecos do tirador!


Sangue verde do meu pago
Quando o teu gosto me invade
Eu sinto necessidade
De ver céu e campo aberto
É algum mistério por certo
Que arrebentando maneias
Te faz corcovear nas veias
Como se o sangue encarnado
Verde tivesse voltado
Do curador das peleias!


Gaudéria essência charrua
Do Rio Grande primitivo
Chupo mais um, pra o estrivo
E campo a fora me largo,
Levando o teu gosto amargo
Gravado em todo o meu ser,
E um dia quando morrer,
Deus me conceda esta graça
De expirar entre a fumaça
Do meu chimarrão querido
Porque então irei ungido
Com água benta da raça!!!

Paisagens Perdidas
(Jayme Caetano Braun)
A tarde recolhe o manto,
carqueja e caraguatá;
na corticeira um sabiá
floreia o último canto!
Alargando o gargarejo,
da sanga que se desmancha,
há um eco pedindo cancha
no primitivo falquejo!


A lua nasce num beijo,
prateando o lombo do cerro
e um grilo acorda um cincerro,
do meu retiro de andejo!


Paisagens de campo e alma
perdidas no vem e vai,
soluços do Uruguai
que bebe lua e se acalma:
a noite passa à mão salva,
com ela vem a saudade,
olfateando a claridade 
das brasas da Estrela D‘Alva!


Nascem rugas no semblante,
paisagens da natureza
que a força da correnteza
não pode levar por diante;
então exige que eu cante
quando me encontro desperto,
mas sempre que chego perto
meu sonho está mais distante!


Paisagens de sombra e luz,
como é que pude perdê-las?
Ficaram as 5 estrelas
fazendo o “ sinal da cruz “ !

Prenda Mirim
(João Freitas)
 Nasci de um ventre sagrado
Da mãe que me deu a luz
Com licença de Jesus
O mesmo me deu noção
E também a permissão
De eu fazer o que quiser
Em defesa da mulher
Com a pura educação
Sou o resto de uma raça
Por isso sou sorridente
Sou passado, sou presente
Que se espalha no além 
E sou gaúcha também
E serei a vida inteira
Sou as cores da bandeira
Que a minha pátria tem
Sou o símbolo de glória
Do meu pago varonil
Sou os estados do Brasil
Sou os guerreiros de coragem 
Dos territórios sou a imagem 
Eu sou a alma do progresso
Eu sou a rima do verso
Eu sou a índia selvagem
Sou a história dos farrapos 
Distinguindo uma batalha
Sou a honra da medalha
Em defesa desta terra
Sou o ser humano que erra
Sou o pobre desprezado
Que dá conta do recado
Na hora triste da guerra
Eu sou tudo minha gente
Que tem na face do chão
Sou o amargo do chimarrão
Que amarga até o fim
Eu sou a flor do jardim
Da pampa meridional
Da minha terra natal
Eu sou a prenda mirim. 

Galpão
(José Hilário Retamozo)
Emponchados acorrem aos galpões
e o calor que se transmitem
explode em lavaredas no fogão.


Há timidez de gestos escondidos
no amargo chimarrão que vai e vem
e abraços nunca dados, recolhidos, 
no medo sem razão de querer bem... 
Corre o mate — verde amargo, 
essência da solidão
e o verde do campo fora
funde aos campos do interior.


A távola redonda que conhecem 
é o raso dos fins de tarde
ao redor das chamas claras 
do fogo a brotar do chão.


As palavras — poucas e contidas, 
chamas acrescidas ao fogo a crepitar, 
engarupam-se nos gestos quentes 
da expressão rudimentar.


Vale mais a confiança adquirida 
no diário labutar contra os 
perigos do que palavras, para se entenderem.


Arquipélagos de humanas solidões!


A bomba, agulha de prata, costura 
seus destinos invisíveis
com o fio invisível
do amargo e mesmo fim.

Saudade
(Lauro Rodrigues) 
Quando o sol golpeia no horizonte
e se vai reclinar por de trás do monte
como um boi colorado
repontado
pelo mango de noite
que tropeia
eu sofro a mágoa de tristeza,
a quietude sem fim da natureza
na saudade cruel que me maneia.

Xomíco!

Por que será
que Nosso Senhor nos dá
sem pena, nem julgamento,
a pua do pensamento
prá esporiar o coração?
Há nisso tanta maldade
que eu até nem acredito
que fosse o "tal" Jesus Cristo
o inventor da saudade...

Saudade!!!

Ela vem chegando,
tropereando...tropereando
tudo de bom que vivi.

Depois que a saudade apeia
amarra o pingo e sesteia,
nunca mais a gente ri.

Isto é: sempre há sorriso
mas para isso é preciso
enganar como perdiz
que piando numa moita
noutra se esconde afoita
fingindo que náo piou.
A gente não é feliz!

So ri dos dentes pra fora,
um gargalhar disfarçado,
uma risada amarela,
como potro atropelado
como boiada que estoura
na saída da cancela.

Saudade cheira a alecrim
mas é ruim que nem cupim
que dá em várzea de campo;
fere a gente de tal jeito
que o coração cá no peito
se banha nágua do pranto.

Saudade é grama cidreira,
é guecha passarinheira
que a gente nunca domina;
é dor aguda e danada,
dói mais do que uma chifrada
de vaca mansa brasina.

Saudade, coisa esquisita,
que Deus te faça bendita
como a hóstia no altar!...

Pois, de tudo que já tive,
somente a saudade vive,
vive a me acompanhar!!!

Oração do Gaúcho

(D. Luiz Felipe de Nadal,
Bispo de Uruguaiana)

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e com licença do Patrão Celestial.
Vou chegando, enquanto cevo o amargo de minhas confidências, porque ao romper da madrugada e ao descambar do sol, preciso camperear por outras invernadas e repontar do Céu, a força e a coragem para o entrevero do dia que passa.
Eu bem sei que qualquer guasca, bem pilchado, de faca, rebenque e esporas, não se afirma nos arreios da vida, se não se estriba na proteção do Céu.
Ouve, Patrão Celeste, a oração que te faço ao romper da madrugada e ao descambar do sol:
"Tomara que todo o mundo seja como irmão!. Ajuda-me a perdoar as afrontas e não fazer aos outros o que não quero para mim".
Perdoa-me, Senhor, porque rengueando pelas canhadas da fraqueza humana, de quando em vez, quase se querer, em me solto porteira a fora... Êta potrilho chucro, renegado e caborteiro...mas eu te garanto, meu Senhor, quero ser bom e direito!
Ajuda-me, Virgem Maria, primeira prenda do Céu. Socorre-me, São Pedro, Capataz da Estância Gaúcha. Pra fim de conversa, vou te dizer meu Deus, mas somente pra ti, que tua vontade leve a minha de cabresto pra todo o sempre e até a querência do Céu. Amém.

Pilchas
(Luiz Coronel)
Não pensem que são pirilampos
essas estrelas lá fora.
É a lua clara dos campos
refletida nas esporas.


Se uso vincha na testa
é pra ver o mundo mais claro.
Não vendo o mundo por frestas
lhe posso fazer reparos.


Sem cinturão nem guaiaca
me sinto quase em pelo.
Quando meu laço desata
sou carretel de novelo.


Da bodega levo um trago
para matar aminha sede.
Meu chapéu de aba quebrada
beija-santo-de-parede.


Atirei as boleadeiras
contra a noite que surgia.
Noite a dentro entre as estrelas
se tornaram três-marias.

Desejos

(Moacir D'Avila Severo)
Teu calor, como espinilho,
Braseando um fogo de chão,
Vem secar-me das angústias
De uma chuva solidão.

Teus olhos, duas estrelas
Candentes pra meus desejos.
Verdes brilhos que se apagam
Sob a nuvem dos meus beijos.

Tua boca é uma cacimba
De saliva cristalina,
Mata minha sede de amor
E a vertente não termina.

Teus cabelos cor de trigo,
Ondulados nos lançantes,
Onde meus dedos galopam
Na ansiedade dos instantes.

Tuas mãos, casal de garças,
Em meu corpo vêm pousar
Para buscar emoções
Na leveza do andejar.
Se na estrada do carinho
Nos tornamos dois andejos,
Quero léguas de caminhos
Pra saciar os meus desejos.


Um Canto Para Matear Solito
(Moises Silveira de Menezes)
Quando o sol vai despacito 
me quedo mateando quieto 
no velho ritual campeiro 
que faz ausentes de afeto 
buscar refúgio no amargo, 
vida verde, vida em pó 
rico ancestral lenitivo 
parceiro dos que andam só.

A lua vem debruçar-se 
no portal da solidão 
em tênues raios de prata 
clareando o velho galpão, 
fresteando as paredes velhas 
chegam as vozes da noite 
que a meus ouvidos cansados 
trazem sibilos de açoite.

A cuia passeia inquieta 
como se ave noturna 
que risca olhos punhais 
na ampla noite soturna, 
só o chispar das labaredas 
aos grilos em contracanto 
compõe mais uma milonga
pra um mundo de desencantos.

O mate desce queimando 
na gargante ressequida 
parece que nessa noite 
nem Caá-Yari dá guarida 
a quem cansou do caminho 
e de partir sem chegar 
fez da vida uma tapera 
na velha sina de andar.

Uma saudade importuna 
amarga mais esse mate 
descompassa tanto o peito 
que o coração pouco bate, 
aquerenciou-se essa louca 
sem ter convite pra vir 
que até nem sei se é bom ter 
saudade ou não pra sentir.

Uma inquietude interior 
que faz a noite silente, 
o sonho muito distante 
como se estrela cadente, 
me gusta um mate solito 
nesse esperar não sei que;
saber de andar o sentido 
talvez, da vida o porquê.

Ave Maria do Peão

(Odilon Ramos)
Ao reponte do sol que descamba
no dia se aprochega para o arremate
pelos campos e nos matos da querência
no revoar da bicharada voltando ao ninho
é hora de recolhimento

No rancho que há no interior
de mim mesmo
eu, gaúcho de fé
me arrincono e medito

Despindo o poncho da vaidade
e do orgulho
tiro o chapéu, apago o pito
e me achego pra uma prosa
com o patrão maior

Na sua presença 
meu sangue quente de farrapo
se faz manso caudal
entrego-lhe minha alma
afoita de alcançar lonjuras
e abrir cancha 
em busca do destino
renuncio à minha xucra rebeldia
me faço doce de volta 
e macio de tranco
para dizer-lhe

Gracias patrão
por tudo que me deste
por esta querência Senhor
que meus ancestrais regaram
com seu sangue
e que aprendi a amar desde piá

Pelos meus parceiros 
nessa ronda da vida
sempre de prontidão para
me amadrinharem na 
campereada mais custosa
ou para matearem comigo
na hora do sossego

Reparte com eles, patrão
esta fé que me deste
e este orgulho pela minha
querência

Ajuda patrão
a manter acessa esta chama
concede sempre ao gaúcho
a força no braço
e o tino pra saber o que
é correto

Dá-nos consciência
para preservar a nossa cultura
livre da invasão dos modismos
conserva a essência e a beleza
da nossa tradição

E agora, com licença patrão
que vou aproveitar a olada
para um dedo de prosa com 
Nossa Senhora

Ave Maria
primeira prenda do céu
contigho está o Senhor,
na estância maior 
tu és bendita entre todas
as prendas
e bendito é o piá que 
trouxeste ao mundo, Jesus

Maria, mãe de Deus
E mãe de todos nós
roga pela querência
e pelos gaudérios 
que aqui moram
nesta hora e no instante
da última cavalgada

Amém!

Gaita

Oscar Daudt Filho (1929)
Gaita minha...
Cancha larga do pensamento
Onde adelgaço o tordilho do meu sonho,
Gaita minha...

Porteira da minh’alma
Por onde a grande tropa de meus ais vae disparando
Sem nunca se aquietar.

Gaita que vae, gaita que vem,
Dolorida e boa como a carreteada lenta da saudade.
Gaita que vem, gaita que vae...

Vida... Gaita da gente, que só Deus sabe tocar,
Vida da gente... Gaita de Deus, que Deus fecha quando quer.


Horizontes do Pago

(Roberto Osório Júnior)
I

Quando o sol da manha sobre as colinas,
Lá nos rincões bonitos do meu pago,
Põe a cabeça loira e olhas as campinhas,
Goza a paisagem sensação de afago...

Ó milagre das luzes matutinas!
Ó prodígio de Fébo - artista mago!
Na terra, as varzeas são esmeraldinas...
Em cima, o céu azul é imenso lago...

Doce encanto dos largos horizontes,
Onde os cêrros, nos longes azulados,
Parecem graves, cismadoras frontes...

O campo amplia-se e talvez os céus...
E alma e sentidos de emoção tocados,
Nessa paisagem nós achamos Deus!...

II

Olhar ao longe um horizonte aberto,
Onde ao azul o verde se mistura,
Onde da terra o céu está tão perto
Que Deus abraça a sua criatura...

Agora os coxilhões, logo a planura,
Que se sucedem sem limite certo...
Ver a amplidão, enfim, que configura
O cenário do Pampa descoberto...

Tal o anseio, a aspiração, o anelo
Do guasca filho do Rio Grande altivo
Que tem na gleba o seu ideal mais belo!

Livre, montar o lombo da coxilha
E carregar no peito, redivivo,
O ideal de amor à Terra Farroupilha!

Gaúcho

(Ruben Sofildo da Silva)
Gaúcho é filho do pago
Que ama e zela esta terra
Fronteira, missões e serra,
Campanha e litoral,
Recantos do mesmo ideal,
Onde se vê o céu azul,
Os rios, a mata, a flechinha,
Mas tudo é chão farroupilha
Tudo é Rio Grande do Sul.

Gaúcho não é ser grosso
Ter botas, esporas e mango
Usar lenço chimango,
Atado frouxo ao pescoço,
E andar fazendo alvoroço,
Comprando qualquer parada,
Gaúcho é ser idealista,
Peleiar só por conquista
Em defesa da terra amada.

Gaúcho é nome e herança,
Que os bravos heróis nos legaram,
Que muito mal empregaram
Não compreendendo por certo
Gaúcho é altivo, esperto,
Espontƒneo, inteligente,
Respeitador bom amigo,
Mas quando encontra o perigo,
Costuma chegar de frente.

Quem foi Bento Gonçalves?
Quem foi David Canabarro?
Não foram estátuas de barro,
Nem pobres leigos sem eira
Quem foi Pinto Bandeira?
Eu nesses versos lhe digo,
Com altivez e estoicismo,
Foram a nata do gauchismo,
Do nosso Rio Grande amigo.

Meu Pala

(Ruben Sofildo da Silva)
Meu velho pala gaúcho
Nobre traste farroupilha,
Que andaste pela encilha
Junto do guasca farrapo.
E onde, tu, velho trapo,
Foste testemunha de horror,
Quando junto em batalha.
Servindo até de mortalha,
Prá o gaúcho peleador...

Por isso pala franjado
Triste fico quando vejo teus flecos,
Quantas vezes nos botecos
De um corredor de campanha,
Já meio manchado de Canha,
Por um xirú beberrão,
Que gritando; "Oh bolicheiro!
Me encha o copo ligeiro
Ou eu te viro o balcão"...

Quanta humildade meu pala
Te dão nos dias de agora,
Os lindo tempos de outrora
Já se foram a trote largo.
E hoje, só dias amargos
Nos restam prá tradição ,
Mas, nós embora solitos,
Vamos andando ao tranquito
Vivendo de uma ilusão...

Meu velho pano lendário
Que junto andaste no pampa,
Tu guardas na tua estampa
Tantos sinais de nobreza.
Hoje, encaro com tristeza
Quando te vejo em meu rancho,
Anunciando uma desgraça.
Todo furado das traças
Dependurado num gancho...

Por isso, meu pala velho,
Este é um pedido meu,
Já que o destino te deu
A sina de andar comigo.
Eu peço prá todo o amigo,
Que se eu morrer velho ou moço,
E ao me encontrar estirado,
Que me deixem sossegado
contigo atado no pescoço...

Essências

(Wilson Araújo)
Um galpão, um fogo de chão,
um manojo de jujos pendurado à parede.
Uma tira de couro que ganhou de um amigo,
para os dias de chuva,
nos finais de semana,
tirar alguns tentos e ensaiar
uma trança que aprendeu 
com o pai quando era guri.

Em riba de um cepo
um pelego sovado.
No canto da mesa,
uma massa de carreta suportando uma cuia.
Uma chaleira de ferro,
uma panela três pernas
que descansa em
silêncio na trempe cilhona
dos fogões campeiros.

O Chiar da cambona,
encostada nas brasas, ressona
com calma o seu musical.
E traz na lembrança as coisas
marcantes, quando deixou a Querência:
por motivos que a vida
impôs no caminho.

O Verde dos campos, com marcas
salientes dos capões de mato.
As sangas correndo em direção ao rio 
- refletem retratos -
que seus olhos viram num
tempo saudoso que ficou
pra trás.

O Rubro do fogo, que
seus olhos vêem é a barra do dia,
surgindo bonita de trás do
horizonte!

O Canto dos pássaros!
O Berro do boi!
E o relincho dos potros,
ficam nítidos e puros,
nos poemas campeiros que os
poetas escrevem musicando a vida.

Que as ondas sonoras de
um rádio de pilhas lhe trás
para o rancho.

O Sentimento terrunho
que trazes no peito,
abastece a alma!
Com as coisas mais lindas
que o pago lhe deu:
a infância, o respeito, o amor
pela terra e o valor profundo;
Que ficou na resteva da vida,
de seus ancestrais!

Mas, quando a alma campeira
vazia de campos retouça
no peito a saudade maior,
as lembranças tranqueiam
retesando o garrão,
vencendo o repecho da vida
de um homem que mateia pensando,
sentindo o conforto de uma vida
urbana que tem ao redor!

Por isso um galpão, retrato de ontem
reproduz a Querência!
Porque mudar uma planta para outra terra,
ficam marcas no chão...
Rebrotam outros galhos
mas, mas não muda a essência!

O Cavalo Crioulo e o Soneto

Vasco Mello Leiria
Pseud.: Capitão Caraguatá
Lombo liso, o pescoço bem plantado
o peito largo, a garupa forte e rica,
bons aprumos e bem proporcionado
o meu pingo crioulo pontifica,

desde a lenda, com arte, emoldurado...
O soneto é seu par, e notifica,
entre os quatorze versos, enquadrado,
o fundo, a forma, com que justifica,

a sua "unidade e harmonia"...
Pingos buenos, que, em rima, vão troteando,
com impulsão da raça, e... de estesia,

e, baralhando o freio, tempo a fora,
soberbos como china... se amansando,
com muito jeito, com estro e com espora.