Guilherme Schultz Filho gentileza de Ney Gastal Em cada ronda da vida eu tive um pingo de lei. Montado, sou como um rei, pelo garbo e o entono. Cavalo pra mim é um trono: e neste trono me criei. De piazito já encilhava um peticinho faceiro, que era cria de um overo e de uma egüinha bragada: era da cor da alvorada o meu petiço luzeiro! Rosado como as manhãs, do pêlo da própria infância, mascando o freio com ânsia, parece que até sorria... Chamava-se "Fantasia" e era a flor daquela estância. Já mocito, o meu cavalo era um ruano, ouro nas crinas, festejado pelas chinas que o chamavam - "Sedutor". Formava um jogo de cor sob os reflexos da aurora co'os cabrestilhos da espora e os flecos do tirador. Naqueles tempos de quebra, nos bolichos, ao domingo, sempre floreando meu pingo todos me viram pachola com o laço a bate-cola e virando balcão de gringo. O meu cavalo de guerra chamava-se "Liberdade"! Chomico! Ouanta saudade me alvorota o coração! Era um mouro fanfarrão, crioulo da própria marca e eu ia como um monarca na testa de um esquadrão. Em uma carga das feias (como aquela do Seival) o mesmo que um temporal rolamos por um lançante e até o próprio comandante ficou olhando o meu bagual. Homem feito e responsável, o meu flete era um tostado, tranco macio, bem domado, (êta pingo macanudo! desses que "servem pra tudo", segundo um velho ditado. Mui amestrado na lida, um andar de contra-dança; de freio, era uma balança, campeiro, solto de patas... Gaúcho, mas sem bravatas, e o batizei de "Confiança" O cavalo que encilho nesta quadra da existência, dei-lhe o nome de "Experiëncia". É um picaço de bom trote e levando por diante o lote rumbeio à Eterna Querência. E, assim, vou descambando, ao tranco e sem escarcéu, sempre tapeado o chapéu por orgulho de gaúcho, e se Deus me permite o luxo entro a cavalo no céu! |
Gabriel Luis Soares
terça-feira, 5 de julho de 2011
POESIA QUE VOU DECLAMAR NO COMCURSO DO CTG
segunda-feira, 4 de julho de 2011
Poesias para o comcursos do CTG
(Antonio Augusto Fagundes) Os velhos clarins de guerra desempoeirando as gargantas quero-querearam no pago. E o patrão coronelado, reuniu em torno parentes, posteiros, peões e agregados. Chegara um próprio do povo trazendo urgente recado que se ia pelear de novo e o coronel, satisfeito, dizia, fazendo graça: "vamos ver, moçada guapa, quem honra a estirpe farrapa e atropela numa carga por um trago de cachaça...Os velhos clarins de guerra desempoeirando as gargantas Um filho saiu tenente, o mais velho - capitão, um tio ficou de major. (o pobre que passa o pior, a oficial não chega, não: o capataz foi sargento, um sota ficou de cabo e a peonada, e os posteiros, ficaram soldados rasos pra pelear de pé no chão...) Carneou-se um munício farto - vindo de estâncias vizinhas - houve rações de farinha, queijo, salame e bolacha, se santinguando em cachaça a sede dos borrachões. E a não ser saudade e mágoa nada ficou pra trás a garganta dos peçuelos misturava pesadelos sanguessugando, voraz, cartuchos e caramelos, o talabarte e o pala, bolacha e pente de bala, fumo e chumbo - guerra e paz... No humilde rancho de um posto, um moço encilhou cavalo beijou a prenda e se foi. Na madrugada campeira luzia a estrela boieira sinuelando o arrebol e as barras de um dia novo glorificavam o horizonte lavando a noite defronte com tintas de sangue e sol. E durante largo tempo ficou a moça na porta olhando a estrada, a chorar, sem saber porque o marido tem que partir e lutar, não entendia de guerra! Pobre só votam em quem mandam e desconhece outra coisa que não seja trabalhar. Então a moça franzina tomou uma decisão! Esqueceu delicadezas, ternuras de quase -noiva e atou os cabelos negros debaixo de um chapelão e se atirou no trabalho, cuidando da casa e campo, do gado e da plantação. Emagreceu e tostou-se e enrijeceu como o aço! Temperando-se na luta madurou-se como a fruta que é torcida no baraço. Montou e recorreu campo, botou vaca, tirou leite e arrastou água da sanga. Fez do tempo a sua canga no lento girar do dia e quando as vezes parava comovida, acariciava o ventre, que pouco a pouco se arredondava e crescia. Só a noite, quando cansada fechava o rancho e dormia seu homem lhe aparecia: ora voltava da guerra, ora peleava - e morria!... Que triste o rancho vazio nas longas noites de frio ou nas tardes de garoa! Que medo de ir a estância! (e ao mesmo tempo, que ânsia de saber notícia boa!) Vizinha perdera o filho. pra outra, fora o marido. E um dos que tinham, morrido, um moço, que era tropeiro, quando feito prisioneiro tinha sido degolado sem nenhuma compaixão. E até um filho do patrão se ensartara numa lança em meio a uma contradança de berro, tiro e facão. E o fulano? Que fulano? Aquele, que era posteiro! Moço guapo! No entrevero é como um raio a cavalo. Trezontonte levou um pealo mas é sujeito de potra: já está pronto pra outra, sempre disposto e faceiro. E a moça voltava ao rancho, tão moça ainda, e tão só! E quando fitava a estrada, só via o vazio do nada, o nada o silêncio e o pó. Não sabe quem vem primeiro, se vem o pai, ou o filho. E os seus olhos, novo brilho roubaram de dois luzeiros. Cada noite, cada aurora, vai encontrá-la a pensar: quando o marido voltar, de novo estará bonita - novo vestido de chita e novo brilho no olhar. E quando o filho chegar, quantas cargas de carinho carretearão os seus dedos! Quantos e quantos segredos sussurrarão, bem baixinho! E para ele, os passarinho cantarão nos arvoredos... Qual deles chega primeiro? E se um deles não chegar...? Mas a guerra segue além, o filho ainda não vem e ela a esperar e a esperar!... Bendita mulher gaúcha que sabe amar e querer! Esposa e mãe, noiva e amante que espera o guasca distante e acaba por compreender que a vida é um poço de mágoa onde cada pingo d'água só faz sofrer e sofrer. Canto aos Avós (Apparicio Silva Rillo) Os avós eram de carne e osso. Tomavam mate, comiam carne com farinha, campereavam. Sopravam a chama dos lampiões, dormiam cedo. Os avós tinham braços e pernas e cabeça (olhai os seus retratos nas molduras). Laçavam de todo o laço, amanuseavam potros, fumavam grossos palheiros de bom fumo e amavam seus cavalos que rompiam ventos e bandeavam arroios como um barco ágil. Usavam lenços sob a barba espessa e o barbicacho lhes prendia ao queixo sombreiros negros para a chuva e sóis. Palas de seda para as soalheiras, ponchos de lá quando a invernia vinha. Tinham impérios de flechilha e trevo e famílias de bois no seu império. E eram marcas de fogo os seus brasões. Charlavam de potreadas e mulheres, de episódios de adaga contra adaga, do tempo, das doenças, das mercâncias de gado gordo para os saladeiros. Tinham homens a seu mando, os avós. No quartel rude dos galpões campeiros - enseivados de mate e carne gorda - os empíricos soldados madrugavam na luz das labaredas de espinilho que era sempre o primeiro sol de cada dia. Honravam os avós a cor dos lenços: - a seda branca dos republicanos, o colorado dos federalistas. E morriam por eles, se preciso, - coronéis de milícias bombachudas acordando tambores nos varzedos no bate casco das cavalarias. Nas largas camas de cambraias alvas vestindo o corpo da mulher mocita, juntavam carnes no silêncio escuro pautado por suspiros que morriam no contraponto musical dos grilos... Os avós eram de carne e osso. Tinham braços e pernas e cabeça, artérias, nervos, coração e alma. Humanos como nós, os velhos tauras, mas de bronze e de ferro nos parecem esses campeiros que fizeram história. Estátuas vivas de perenidade nos pedestais do tempo e da memória. Chimarrão (Glaucus Saraiva) Amargo doce que eu sorvo Num beijo em lábios de prata. Tens o perfume da mata Molhada pelo sereno. E a cuia, seio moreno, Que passa de mão em mão Traduz, no meu chimarrão, Em sua simplicidade, A velha hospitalidade Da gente do meu rincão. Trazes à minha lembrança, Neste teu sabor selvagem, A mística beberagem, Do feiticeiro charrua, E o perfil da lança nua, Encravada na coxilha, Apontando firme a trilha, Por onde rolou a história, Empoeirada de glórias, De tradição farroupilha. Em teus últimos arrancos, Ao ronco do teu findar, Ouço um potro a corcovear, Na imensidão deste pampa, E em minha mente se estampa, Reboando nos confins , A voz febril dos clarins, Repinicando: "Avançar"! E então eu fico a pensar, Apertando o lábio, assim, Que o amargo está no fim, E a seiva forte que eu sinto, É o sangue de trinta e cinco, Que volta verde pra mim. Amargo (Jayme Caetano Braun) Velha infusão gauchesca De topete levantado O porongo requeimado Que te serve de vazilha Tem o feitio da coxilha Por onde o guasca domina, E esse gosto de resina Que não é amargo nem doce É o beijo que desgarrou-se Dos lábios de alguma china! A velha bomba prateada Que atrás do cerro desponta Como uma lança de ponta Encravada no repecho Assim jogada ao desleixo Até parece que espera O retorno de algum cuera Esparramado do bando Que decerto anda peleando Nalgum rincão de tapera! Velho mate-chimarrão As vezes quando te chupo Eu sinto que me engarupo Bem sobre a anca da história, E repassando a memória Vejo tropilhas de um pêlo Selvagens em atropelo Entreverados na orgia Dos passes de bruxaria Quando o feiticeiro inculto Rezava o primeiro culto Da pampeana liturgia! Nessa lagoa parada Cheia de paus e de espuma Vão cruzando uma, por uma, Antepassadas visões Fandangos e marcações Entreveros e bochinchos Clarinadas e relinchos Por descampados e grotas, E quando tu te alvorotas No teu ronco anunciador Escuto ao longe o rumor De uma cordeona floreando E o vento norte assobiando Nos flecos do tirador! Sangue verde do meu pago Quando o teu gosto me invade Eu sinto necessidade De ver céu e campo aberto É algum mistério por certo Que arrebentando maneias Te faz corcovear nas veias Como se o sangue encarnado Verde tivesse voltado Do curador das peleias! Gaudéria essência charrua Do Rio Grande primitivo Chupo mais um, pra o estrivo E campo a fora me largo, Levando o teu gosto amargo Gravado em todo o meu ser, E um dia quando morrer, Deus me conceda esta graça De expirar entre a fumaça Do meu chimarrão querido Porque então irei ungido Com água benta da raça!!! Paisagens Perdidas (Jayme Caetano Braun) A tarde recolhe o manto, carqueja e caraguatá; na corticeira um sabiá floreia o último canto! Alargando o gargarejo, da sanga que se desmancha, há um eco pedindo cancha no primitivo falquejo! A lua nasce num beijo, prateando o lombo do cerro e um grilo acorda um cincerro, do meu retiro de andejo! Paisagens de campo e alma perdidas no vem e vai, soluços do Uruguai que bebe lua e se acalma: a noite passa à mão salva, com ela vem a saudade, olfateando a claridade das brasas da Estrela D‘Alva! Nascem rugas no semblante, paisagens da natureza que a força da correnteza não pode levar por diante; então exige que eu cante quando me encontro desperto, mas sempre que chego perto meu sonho está mais distante! Paisagens de sombra e luz, como é que pude perdê-las? Ficaram as 5 estrelas fazendo o “ sinal da cruz “ ! Prenda Mirim (João Freitas) Nasci de um ventre sagrado Da mãe que me deu a luz Com licença de Jesus O mesmo me deu noção E também a permissão De eu fazer o que quiser Em defesa da mulher Com a pura educação Sou o resto de uma raça Por isso sou sorridente Sou passado, sou presente Que se espalha no além E sou gaúcha também E serei a vida inteira Sou as cores da bandeira Que a minha pátria tem Sou o símbolo de glória Do meu pago varonil Sou os estados do Brasil Sou os guerreiros de coragem Dos territórios sou a imagem Eu sou a alma do progresso Eu sou a rima do verso Eu sou a índia selvagem Sou a história dos farrapos Distinguindo uma batalha Sou a honra da medalha Em defesa desta terra Sou o ser humano que erra Sou o pobre desprezado Que dá conta do recado Na hora triste da guerra Eu sou tudo minha gente Que tem na face do chão Sou o amargo do chimarrão Que amarga até o fim Eu sou a flor do jardim Da pampa meridional Da minha terra natal Eu sou a prenda mirim. Galpão (José Hilário Retamozo) Emponchados acorrem aos galpões e o calor que se transmitem explode em lavaredas no fogão. Há timidez de gestos escondidos no amargo chimarrão que vai e vem e abraços nunca dados, recolhidos, no medo sem razão de querer bem... Corre o mate — verde amargo, essência da solidão e o verde do campo fora funde aos campos do interior. A távola redonda que conhecem é o raso dos fins de tarde ao redor das chamas claras do fogo a brotar do chão. As palavras — poucas e contidas, chamas acrescidas ao fogo a crepitar, engarupam-se nos gestos quentes da expressão rudimentar. Vale mais a confiança adquirida no diário labutar contra os perigos do que palavras, para se entenderem. Arquipélagos de humanas solidões! A bomba, agulha de prata, costura seus destinos invisíveis com o fio invisível do amargo e mesmo fim. Saudade (Lauro Rodrigues) Quando o sol golpeia no horizonte e se vai reclinar por de trás do monte como um boi colorado repontado pelo mango de noite que tropeia eu sofro a mágoa de tristeza, a quietude sem fim da natureza na saudade cruel que me maneia. Xomíco! Por que será que Nosso Senhor nos dá sem pena, nem julgamento, a pua do pensamento prá esporiar o coração? Há nisso tanta maldade que eu até nem acredito que fosse o "tal" Jesus Cristo o inventor da saudade... Saudade!!! Ela vem chegando, tropereando...tropereando tudo de bom que vivi. Depois que a saudade apeia amarra o pingo e sesteia, nunca mais a gente ri. Isto é: sempre há sorriso mas para isso é preciso enganar como perdiz que piando numa moita noutra se esconde afoita fingindo que náo piou. A gente não é feliz! So ri dos dentes pra fora, um gargalhar disfarçado, uma risada amarela, como potro atropelado como boiada que estoura na saída da cancela. Saudade cheira a alecrim mas é ruim que nem cupim que dá em várzea de campo; fere a gente de tal jeito que o coração cá no peito se banha nágua do pranto. Saudade é grama cidreira, é guecha passarinheira que a gente nunca domina; é dor aguda e danada, dói mais do que uma chifrada de vaca mansa brasina. Saudade, coisa esquisita, que Deus te faça bendita como a hóstia no altar!... Pois, de tudo que já tive, somente a saudade vive, vive a me acompanhar!!!
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e com licença do Patrão Celestial. Vou chegando, enquanto cevo o amargo de minhas confidências, porque ao romper da madrugada e ao descambar do sol, preciso camperear por outras invernadas e repontar do Céu, a força e a coragem para o entrevero do dia que passa. Eu bem sei que qualquer guasca, bem pilchado, de faca, rebenque e esporas, não se afirma nos arreios da vida, se não se estriba na proteção do Céu. Ouve, Patrão Celeste, a oração que te faço ao romper da madrugada e ao descambar do sol: "Tomara que todo o mundo seja como irmão!. Ajuda-me a perdoar as afrontas e não fazer aos outros o que não quero para mim". Perdoa-me, Senhor, porque rengueando pelas canhadas da fraqueza humana, de quando em vez, quase se querer, em me solto porteira a fora... Êta potrilho chucro, renegado e caborteiro...mas eu te garanto, meu Senhor, quero ser bom e direito! Ajuda-me, Virgem Maria, primeira prenda do Céu. Socorre-me, São Pedro, Capataz da Estância Gaúcha. Pra fim de conversa, vou te dizer meu Deus, mas somente pra ti, que tua vontade leve a minha de cabresto pra todo o sempre e até a querência do Céu. Amém. Pilchas (Luiz Coronel) Não pensem que são pirilampos essas estrelas lá fora. É a lua clara dos campos refletida nas esporas. Se uso vincha na testa é pra ver o mundo mais claro. Não vendo o mundo por frestas lhe posso fazer reparos. Sem cinturão nem guaiaca me sinto quase em pelo. Quando meu laço desata sou carretel de novelo. Da bodega levo um trago para matar aminha sede. Meu chapéu de aba quebrada beija-santo-de-parede. Atirei as boleadeiras contra a noite que surgia. Noite a dentro entre as estrelas se tornaram três-marias.
Braseando um fogo de chão, Vem secar-me das angústias De uma chuva solidão. Teus olhos, duas estrelas Candentes pra meus desejos. Verdes brilhos que se apagam Sob a nuvem dos meus beijos. Tua boca é uma cacimba De saliva cristalina, Mata minha sede de amor E a vertente não termina. Teus cabelos cor de trigo, Ondulados nos lançantes, Onde meus dedos galopam Na ansiedade dos instantes. Tuas mãos, casal de garças, Em meu corpo vêm pousar Para buscar emoções Na leveza do andejar. Se na estrada do carinho Nos tornamos dois andejos, Quero léguas de caminhos Pra saciar os meus desejos. |
Um Canto Para Matear Solito
(Moises Silveira de Menezes)
Quando o sol vai despacito
me quedo mateando quieto
no velho ritual campeiro
que faz ausentes de afeto
buscar refúgio no amargo,
vida verde, vida em pó
rico ancestral lenitivo
parceiro dos que andam só.
A lua vem debruçar-se
no portal da solidão
em tênues raios de prata
clareando o velho galpão,
fresteando as paredes velhas
chegam as vozes da noite
que a meus ouvidos cansados
trazem sibilos de açoite.
A cuia passeia inquieta
como se ave noturna
que risca olhos punhais
na ampla noite soturna,
só o chispar das labaredas
aos grilos em contracanto
compõe mais uma milonga
pra um mundo de desencantos.
O mate desce queimando
na gargante ressequida
parece que nessa noite
nem Caá-Yari dá guarida
a quem cansou do caminho
e de partir sem chegar
fez da vida uma tapera
na velha sina de andar.
Uma saudade importuna
amarga mais esse mate
descompassa tanto o peito
que o coração pouco bate,
aquerenciou-se essa louca
sem ter convite pra vir
que até nem sei se é bom ter
saudade ou não pra sentir.
Uma inquietude interior
que faz a noite silente,
o sonho muito distante
como se estrela cadente,
me gusta um mate solito
nesse esperar não sei que;
saber de andar o sentido
talvez, da vida o porquê.
me quedo mateando quieto
no velho ritual campeiro
que faz ausentes de afeto
buscar refúgio no amargo,
vida verde, vida em pó
rico ancestral lenitivo
parceiro dos que andam só.
A lua vem debruçar-se
no portal da solidão
em tênues raios de prata
clareando o velho galpão,
fresteando as paredes velhas
chegam as vozes da noite
que a meus ouvidos cansados
trazem sibilos de açoite.
A cuia passeia inquieta
como se ave noturna
que risca olhos punhais
na ampla noite soturna,
só o chispar das labaredas
aos grilos em contracanto
compõe mais uma milonga
pra um mundo de desencantos.
O mate desce queimando
na gargante ressequida
parece que nessa noite
nem Caá-Yari dá guarida
a quem cansou do caminho
e de partir sem chegar
fez da vida uma tapera
na velha sina de andar.
Uma saudade importuna
amarga mais esse mate
descompassa tanto o peito
que o coração pouco bate,
aquerenciou-se essa louca
sem ter convite pra vir
que até nem sei se é bom ter
saudade ou não pra sentir.
Uma inquietude interior
que faz a noite silente,
o sonho muito distante
como se estrela cadente,
me gusta um mate solito
nesse esperar não sei que;
saber de andar o sentido
talvez, da vida o porquê.
(Odilon Ramos) Ao reponte do sol que descamba no dia se aprochega para o arremate pelos campos e nos matos da querência no revoar da bicharada voltando ao ninho é hora de recolhimento No rancho que há no interior de mim mesmo eu, gaúcho de fé me arrincono e medito Despindo o poncho da vaidade e do orgulho tiro o chapéu, apago o pito e me achego pra uma prosa com o patrão maior Na sua presença meu sangue quente de farrapo se faz manso caudal entrego-lhe minha alma afoita de alcançar lonjuras e abrir cancha em busca do destino renuncio à minha xucra rebeldia me faço doce de volta e macio de tranco para dizer-lhe Gracias patrão por tudo que me deste por esta querência Senhor que meus ancestrais regaram com seu sangue e que aprendi a amar desde piá Pelos meus parceiros nessa ronda da vida sempre de prontidão para me amadrinharem na campereada mais custosa ou para matearem comigo na hora do sossego Reparte com eles, patrão esta fé que me deste e este orgulho pela minha querência Ajuda patrão a manter acessa esta chama concede sempre ao gaúcho a força no braço e o tino pra saber o que é correto Dá-nos consciência para preservar a nossa cultura livre da invasão dos modismos conserva a essência e a beleza da nossa tradição E agora, com licença patrão que vou aproveitar a olada para um dedo de prosa com Nossa Senhora Ave Maria primeira prenda do céu contigho está o Senhor, na estância maior tu és bendita entre todas as prendas e bendito é o piá que trouxeste ao mundo, Jesus Maria, mãe de Deus E mãe de todos nós roga pela querência e pelos gaudérios que aqui moram nesta hora e no instante da última cavalgada Amém!
Gaita minha... Cancha larga do pensamento Onde adelgaço o tordilho do meu sonho, Gaita minha... Porteira da minh’alma Por onde a grande tropa de meus ais vae disparando Sem nunca se aquietar. Gaita que vae, gaita que vem, Dolorida e boa como a carreteada lenta da saudade. Gaita que vem, gaita que vae... Vida... Gaita da gente, que só Deus sabe tocar, Vida da gente... Gaita de Deus, que Deus fecha quando quer.
Quando o sol da manha sobre as colinas, Lá nos rincões bonitos do meu pago, Põe a cabeça loira e olhas as campinhas, Goza a paisagem sensação de afago... Ó milagre das luzes matutinas! Ó prodígio de Fébo - artista mago! Na terra, as varzeas são esmeraldinas... Em cima, o céu azul é imenso lago... Doce encanto dos largos horizontes, Onde os cêrros, nos longes azulados, Parecem graves, cismadoras frontes... O campo amplia-se e talvez os céus... E alma e sentidos de emoção tocados, Nessa paisagem nós achamos Deus!... II Olhar ao longe um horizonte aberto, Onde ao azul o verde se mistura, Onde da terra o céu está tão perto Que Deus abraça a sua criatura... Agora os coxilhões, logo a planura, Que se sucedem sem limite certo... Ver a amplidão, enfim, que configura O cenário do Pampa descoberto... Tal o anseio, a aspiração, o anelo Do guasca filho do Rio Grande altivo Que tem na gleba o seu ideal mais belo! Livre, montar o lombo da coxilha E carregar no peito, redivivo, O ideal de amor à Terra Farroupilha! |
(Ruben Sofildo da Silva) Gaúcho é filho do pago Que ama e zela esta terra Fronteira, missões e serra, Campanha e litoral, Recantos do mesmo ideal, Onde se vê o céu azul, Os rios, a mata, a flechinha, Mas tudo é chão farroupilha Tudo é Rio Grande do Sul. Gaúcho não é ser grosso Ter botas, esporas e mango Usar lenço chimango, Atado frouxo ao pescoço, E andar fazendo alvoroço, Comprando qualquer parada, Gaúcho é ser idealista, Peleiar só por conquista Em defesa da terra amada. Gaúcho é nome e herança, Que os bravos heróis nos legaram, Que muito mal empregaram Não compreendendo por certo Gaúcho é altivo, esperto, Espontƒneo, inteligente, Respeitador bom amigo, Mas quando encontra o perigo, Costuma chegar de frente. Quem foi Bento Gonçalves? Quem foi David Canabarro? Não foram estátuas de barro, Nem pobres leigos sem eira Quem foi Pinto Bandeira? Eu nesses versos lhe digo, Com altivez e estoicismo, Foram a nata do gauchismo, Do nosso Rio Grande amigo.
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